Tasha e Tracie: As meninas que @s menin@s gostam

Tasha e Traice fazem um Rap que dialoga com uma geração de minas brabas na ideia

Texto: Lenne Ferreira | Fotos: UHGO

O crescimento de nomes femininos na atual cena do Rap nacional, não deixa dúvida: no presente/futuro, os palcos são delas. Foi possível sentir um pouco deste cenário no último sábado (7), quando as gêmeas Tasha e Tracie se apresentaram no Recife em um evento promovido pelo No Ar Coquetel Molotov. Headline da noite, a dupla fez uma performance que reuniu um público jovem e composto majoritariamente por mulheres, que capricharam no figurino e no gogó emocionando as duas paulistanas de Jardim Peri, Zona Norte de São Paulo. 

Filhas de mãe brasileira e pai nigeriano, Tasha e Tracie fazem parte de um fenômeno ocorrido durante a pandemia, quando diversos artistas despontaram nas plataformas de música e conquistaram audiência nas redes sociais. Com mais gente dentro de casa e com os ouvidos mais atentos, nomes como os das duas gêmeas conquistaram números vultosos nas plataformas de streaming, o que vem se traduzindo nesse momento de reabertura e retorno de shows públicos que têm preenchido a agenda das MC’s.

Até chegar ao palco de uma casa de show lotada para conferir uma atração principal feminina, as mulheres do Hip Hop brasileiro precisaram fazer um longo percurso, que começou bem antes de Tasha e Tracie lançarem a braba na cena nacional do Rap. Por isso, é importante olhar para trás e observar os degraus que foram conquistados por nomes veteranos, que prepararam o caminho para a nova geração. 

No Brasil, Dina Di, nome artístico de Viviane Lopes Matias, começou esse percurso na  década de 70. Ela foi vocalista do grupo Visão de Rua e é considerada a primeira mulher a alcançar sucesso no rap brasileiro em um momento em que a cena era majoritariamente dominada por homens. Negra Li, que começou sua carreira musical com o grupo de rap RZO, é outro importante artista que ajudou a construir novos acessos para mulheres do nicho Hip Hop. Em entrevista para a jornalista que vos escreve, ela comentou que, na época que começou a cantar, era necessário se vestir de forma mais masculina para ser respeitada entre os homens.

De lá pra cá, as minas foram se empoderando e conquistando mais autonomia nos mais diversos campos da sociedade. Apesar dos avanços, elas ainda enfrentam dificuldades para ascender em suas carreiras. Recentemente, Flora Matos, que iniciou seus primeiros passos na música na década de 80, comentou em seu Twitter sobre a falta de representatividade feminina no Festival Lolapalozza e ainda sofreu cancelamento. A presença totalitária de homens na grade da programação de diversos eventos de Rap segue uma tendência que desconsidera e invisibiliza a produção de mulheres de todo o país.

Ostentação e autonomia sobre o próprio corpo: a música de Tasha e Tracie reivindica lugares negados às mulheres


Apesar dos percalços que ainda travam o crescimento das mulheres na cena Rap, é preciso reconhecer que o trabalho feito por percussoras como Priscilla Feniks, Cris SNJ, Camila CDD, Negra Li, Lívia Cruz, Stefany MC, Arrete abriu caminhos para que, hoje, Tasha e Tracie pudessem fazer história. E que história, viu! No Recife, as duas MC’s puderam sentir um pouco da admiração do público com o qual gravaram vídeos, tiraram fotos e ainda distribuíram água para a comissão de beira de palco.  Sucessos como “Diretoria”, que possui mais de 500 mil visualizações no Youtube, “As mais Brabas”, “Pisando fofo” (parceria com Gloria Groove) fizeram a plateia bem feliz. 

 

“Respeita minha buceta ou faço uma na sua cara”

(Cachorraz Camikaze)

Importante destacar o quanto a narrativa construída por Tasha e Tracie em suas letras diz muito sobre uma geração de minas que buscam e já conquistaram mais autonomia. “Prefiro ficar rica / Sempre de olho no lucro / Nós não corre atrás de pica”. Se, antes, eram os homens que lançavam músicas com conotação sexual para se referir às mulheres. Hoje, elas invertem a lógica machista da objetificação: “Bebê, mais tarde é na minha casa / Sua conta já tá paga”. Longe de encarnar uma militância panfletária, elas usam o mic para  lançar um texto que dialoga com uma juventude politizada, que viaja numa ideia cheque e que faz revolução com um beck e o cash na mão. Se, antes, elas precisaram se masculinizar para cantar Rap, hoje, elas sobem no palco do shortinho porque pra conquistar espaço elas precisaram colocar o cropped e reagir.

O sucesso das artistas também tem relação com as referências que constituem as trajetórias de ambas e que servem de fundamento para as suas produções. Tasha e Tracie são idealizadoras do movimento “Expensive Shit” – nome homônimo ao blog criados por elas para promover a valorização da autoestima e da autonomia dos jovens negros, que vivem nas periferias, por meio de conhecimento, arte, moda e informação. O resultando desse engajamento, que também flerta com o público LGBTQIA+, está nos números: mais de 5 milhões de visualizações no canal do YouTube e mais de 430 mil ouvintes mensais no Spotify.

Em descrição no blog Expensive elas anunciam: “Somos Gêmeas , somos de gêmeos , somos Africa, somos Brasil ,Somos Rap , Somos Old e New school ,somos música boa, somos cores,dourado, estampas”. Toda essa construção está consolidada nas composições da dupla, que usa suas linhas pra desbancar macho, ostentar o luxo conquistado com o próprio trabalho a partir de crônicas comuns a jovens negras da periferia. Como boas gêmeas que são, as MC’s demonstraram uma sintonia impecável e, em alguns momentos, sicrônica.

Durante apresentação na capital pernambucana, cada verso de Tasha e Tracie foi acompanhado por um público majoritariamente feminino. “É muito da hora chegar no Nordeste e encontrar a casa cheia. A gente sai daqui se sentindo muito maior. Aumentou a nossa autoestima”, comentaram ao final do show no camarim onde atenderam uma fila de fãs. É preciso salientar que as mulheres têm desempenhado um papel fundamental na visibilização do trabalho das artistas no mercado da música, o que produz efeito na cadeia fonográfica, influenciando produtores e produtoras dos grandes festivais a prestarem mais atenção ao que o público feminino está prestando atenção. Sustentabilidade é o que as gatas merecem. “Avisa lá quem desacreditou” que elas estão assumindo o comando dos seus corpos, ideias e dos palcos e, como anunciam as gêmeas em “Cachorraz Kamikaze”, um dos sucessos mais tocados da dupla, “respeita minha buceta ou faço uma na sua cara”.  

 

Escrito por:

Lenne Ferreira

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