Sagrado Universo Interior

Após dois meses da morte precoce da educadora, produtora e ativista negra Paula Santana, a Afoitas publica um texto inédito, escrito por ela, que era uma das colunistas convidas para contribuir com o projeto que ela também acreditou. No texto, em que  aborda questões como sororidade e irmandade entre as mulheres e reflete sobre a importância de caminharmos em direção ao autoconhecimento e reconexão com o sagrado feminino e ancestralidade. Falecida em 5 de fevereiro deste ano, Paula deixou como um dos frutos do seu trabalho de fortalecimento do povo preto e da cultura a Livraria e Sebo do Pátio, com um acervo especializado em autores e autoras pernambucanos.  Apoio e atuou em projetos como Pátio Vive, Slam das Minas,  Aqualtune Produções e Pátio Criativo, no Pátio de São Pedro. Conhecida pela sua busca por equilíbrio e autoconhecimento, ela desejava contribuir com a Afoitas falando sobre temas que inspirassem mulheres a se conectar com o seu poder interior. Todas as palavras a seguir foram escritas por ela. A foto onde Paula aparece atravessada pela luz do sol no quinta de sua casa, no Barro, foi cedida pela fotógrafa Pri Buhr na ocasião em a produtora e ativista negra foi entrevistada para uma matéria sobre o impacto da greve dos caminhoneiros na vida das mulheres. #PaulaVive e o texto que ela nos deixou é só mais uma contribuição do legado que deixou.

Sagrado Universo Interior

Os caminhos são muitos para acessarmos nosso Universo Interior, não requerer passo a passo, receita pronta ou regras, é único, pessoal e intransferível, às vezes passamos anos para fazer essa conexão, seja com as crises existências, ou quando fomos forçadas a partir de uma interferência emocional externa.

Onde, como e quando desconectamos de nós mesmas?

Desde os primórdios as mulheres esse “bicho esquisito, que todo mês sangra”, já dizia nossa filósofa Rita Lee, tinha uma conexão sagrada com a natureza externa e interior, de forma ritualística vivenciava seus ciclos menstruais, sempre harmonizados com as fases da Lua e a estação do ano, em comunidade as mulheres cuidavam dos preparativos para a chegada dos filhos e das filhas.

Com uma rede de apoio, dividiam os cuidados do mesmo, faziam rito de passagem da Menarca*, preparava a mulher para a fase adulta com aconselhamento de uma mulher mais vivida, as velhas sábias e suas vivências com as ervas, benzendo para tirar o mau olhado e muitos banhos para curar a alma, fortalecendo, assim, sua autoconfiança, autonomia feminina com sabedoria para transformar sua vida, sua própria força e poder pessoal. Por isso, muitas mulheres foram chamadas de Bruxas.

Refazer o caminho para a reconexão é um reencontro consigo mesma, com suas sombras, reconhecê-las como suas. É ser auto responsável por suas escolhas, o que, muitas vezes, é doloroso. Traz muito sofrimento revisitar suas dores, medos, frustrações, encontros, desencontros, amores e desamores. O caminho do autoconhecimento é transformador, tem momentos que é preciso ser feito sozinha, mas os círculos do sagrado feminino ou círculos de mulheres, são encontros de iguais, irmandade, reconectando com nossa ancestralidade, encontrando suas verdades, quebrando paradigmas. É sororidade entre as mulheres.

O poder desses círculos é o mesmo quando as mulheres, encontravam-se para cuidar do roçado e trazer o alimento para casa, lavar roupas no rio, sentar na calçada com outras mulheres em dias menos agitado e trançar os cabelos, dançar uma ciranda, ficar com a filha da vizinha enquanto a outra vai fazer um trabalho sem preocupar-se em cobrar por isso.

Hoje, existe uma mercantilização desses grupos, que ficam restritos a mulheres na maioria branca e de classe média, sem pouco ou nenhuma comunicação com as mulheres da periferia, sobretudo as mais jovens, que andam cada dia negando sua menstruação, iniciando sem maturidade relacionamentos amorosos e sexuais muitas das vezes abusivos e machistas, desconectando-se cada dia mais do seu poder interno e pessoal.

É preciso quebrar barreiras e criar pontes para novas trocas e experiências, exige muita coragem (afoitice) é um olhar para dentro e também para fora do que é imposto pelo patriarcado, a religião com suas crenças limitantes, mídia, racismo, capitalismo e o imperialismo cultural, desprendendo-se desses padrões e rótulos que limitam a liberdade criadora e autotransformadora do  Universo Feminino, que trará sua auto-realização e sua LIBERDADE, e assim reverberar para todos e todas que nos cercam.

Eu não vou morrer sem antes experimentar ser Livre
(Vovó Jandira)

Paula Santana, Nascida na Várzea do Capibaribe, filha de Dona Maria e Sr. Mariano, Educadora Freiriana de Formação, Artista por Convicção, Feminista, mãe de dois filhos e uma mulher afoita.

Escrito por:

Afoitas Jornalismo

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