O suicídio é um problema de saúde pública

A cada 45 minutos um pessoa se suicida no Brasil. A cada morte, são 20 tentativas. Um suicídio pode impactar 60 pessoas ou mais. Esses números me pareciam distantes até que o fenômeno passou a ocorrer no meu território. Só este ano, foram três casos efetivados no meu bairro. Nos últimos dias, no Barro e Ibura, duas pessoas jovens desistiram da vida. Mortes que causaram muita comoção e um sentimento de impotência nos familiares e amigos (as). A culpa é inevitável. A gente tende a achar que poderia ter feito algo para impedir e isso nos sufoca. Buscar informações foi a forma que encontrei para tentar entender, algo que não é tão simples uma vez que o suicídio é influenciado por muitos fatores de ordem subjetiva e psicossocial.

Embora ocorra de maneira indiscriminada, no Brasil, o suicídio faz mais vítimas entre a população negra. Dados levantados pelo Ministério de Saúde apontam que o risco de suicídio é 45% maior entre pessoas negras em relação às brancas. Jovens negros, entre 10 a 29 anos, configuram o maior número das vítimas de suicídio no país.

Eu nunca entendi bem porque o assunto é tão pouco abordado pela mídia. A partir de algumas pesquisas, descobri que a “omissão” tem relação com um episódio ocorrido em 1774, quando Goethe lançou a obra “Os Sofrimentos do Jovem Werther”. O livro narra como uma desilusão amorosa levou o personagem do título ao suicídio. Embora fictícia, a publicação teria provocado uma onda de suicídios pelo mesmo motivo, que ficou conhecido com “Efeito Werther”, que ajudou na construção do tabu de que a divulgação de um suicídio pode estimular novos casos.

Essa restrição também tem embasamento científico. Recentemente, frente aos efeitos da pandemia na saúde mental, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais (CRPs) publicaram uma nota em que observavam que o suicídio é um fenômeno complexo, e que, por ser uma questão de saúde pública de ordem global, precisa de uma abordagem ética dos meios de comunicação. Mas isso não significa que o tema é proibido, como muita gente interpreta. Negligenciar o assunto pode, na verdade, ajudar a aumentar o risco de novas tentativas.

Precisamos falar sobre o suicidio na perspectiva de ajudar na prevenção. A OMS publicou o Manual “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia”, que traz recomendações para profissionais de mídia sobre a divulgação de suicídios. Segundo a publicação, recomenda-se não divulgar o método empregado, fotos ou cartas de despedida; evitar coberturas sensacionalistas e julgamentos morais. Mas só abordar o tema de maneira responsável não é suficiente. Quais políticas públicas de prevenção conhecemos? A favela não tem acesso a terapia ou qualquer serviço para cuidar da saúde mental. Escutemos os gritos de socorro que pipocam nas quebradas desse estado. Em ano eleitoral, estejamos atentas (os) a propostas comprometidas com o bem estar coletivo, especialmente da juventude periférica, que é tão afetada pelas violências e desigualdades sociais. É dever das pessoas sãs (se é que é possível pensar nisso diante do atual cenário) zelar pelos (as) doentes. Não vamos desistir da vida! E vamos ajudar a outras pessoas a não desistir também.

O Centro de Valorização da Vida faz atendimentos 24h para pessoas que buscam ajuda. O telefone é 188. Mas a sociedade civil não tem responsabilidade sozinha. Falar mais sobre saúde mental e exigir políticas preventivas é uma maneira de sensibilizar a gestão pública para evitar que mais pessoas desistam do direto básico à vida, tão negligenciado nesse país.

Escrito por:

Lenne Ferreira

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