“Quando uma mulher indígena se levanta, uma aldeia inteira fica de pé”

Texto: Raquel Kariri | Fotos: Thiara Montefusco
Vindas do mar, as pretas mulheres me convocaram. Não foram preciso muitas palavras, sabemos que é hora de afiar nossas alianças, fundir estratégias, deixar cair tudo o que não nos cabe e que nos rejeita. É hora de parir novos mundos e novos céus, portanto, aqui estou.
Mulher-planta pertencente ao povo Kariri, me chamo Raquel Kariri. Fui germinada na Chapada do Araripe, meu povo é uma Nação. Temos nosso idioma, o Dzubukuá. Nossa base alimentar composta de milho e macaxeira, nossas narrativas originárias que não nos deixam esquecer de onde viemos, possuímos nosso território, por isso não venho só. Pertenço a uma coletividade que se esparrama em um território que não cabe em mapa algum.
Nesse momento em que celebramos o Dia dos Povos Indígenas com o lançamento dessa coluna, diversas comunidades e pessoas do meu território estão em emergência indígena. Emergência é uma palavra perfeita para descrever o que estamos presenciando no Cariri cearense.
Por muito tempo imperou um apagamento discursivo no qual os povos originários dessas bandas de cá foram exterminados. Por mais de um século isso foi fartamente repetido e ensinado. O etnocídio, ou seja, a aniquilação sistemática da identidade de um povo, foi vitoriosa por um tempo longo demais no Cariri cearense. Só no Cariri? Tenho certeza que de onde você está me lendo existem diversos parentes lutando contra a invisibilidade.
Mas o coma colonial está tendo fim (caminha para o fim). E as curandeiras responsáveis por esse despertar são as mulheres indígenas. Em suas aldeias ou em contexto urbano, são as mulheres as grandes protagonistas dessa luta.
Desde a pajé Tereza Kariri, que na década de 80 rasgou o ar com seu grito de re-existência, retirando o povo Kariri do apagamento colonial, a força do feminino é quem move nossos levantes: Vanda Cariri, Rosa Cariri, Suelen Cariri, Bárbara Matias Kariri, Jéssika Kariri, Miscilane Kariri, Lidiane Kariú. Essas são apenas algumas das mulheres que vem levantando os céus de luta e resistência.

O Kariri está entre os 14 os povos indígenas, espalhados por 18 municípios do Ceará
Levantar nossas aldeias, mover os céus, chacoalhar nossas maracás, invocar as ancestrais tem sido nossa força que brota de Maara, a primeira mulher, mãe d’água, nosso princípio feminino. Nossa divindade que se apresenta em forma de serpente, que faz das águas sua cama, sussurra receitas de resistência em nossos sonhos. Ela mesma submergida pelas narrativas colono-patriarcais que não reconheceram seu reino.
Sim, pois o Cariri é o reino de Maara! O Cariri é a cama da serpente-mulher que magnetiza os homens e os carrega para o fundo dos rios. Aquela que nos sussurra: “Chegou a hora!”. Aquela para quem respondo: “Sim, mãe, chegou a hora!”.