Personagens do cotidiano periférico são retratados na obra do artista Jeff Alan

Exposição Comigo Ninguém tem abertura nesta terça-feira (07); com curadoria de Bruno Albertim, mostra fica em cartaz durante três meses na Caixa Cultural Recife
Texto: Lenne Ferreira | Imagens: Shilton Araújo
As feições, texturas e tons retintos de personagens reais da periferia do Recife entram em evidência na Caixa Cultural Recife a partir do dia 07 de novembro, com a exposição individual “Comigo Ninguém Pode – A pintura de Jeff Alan”. O artista visual pernambucano apresenta um conjunto de obras que, como defende o curador da mostra, Bruno Albertim, propõe a descolonização dos álbuns de famílias historicamente dedicados a capturar o modelo de vida da branquitude patriarcal. Na exposição, que fica em cartaz até janeiro de 2024, às pinturas de pessoas pretas preenchem, exclusivamente, as molduras dos quadros com o protagonismo que sempre lhes foi negado, um traço político que fundamenta toda a trajetória artística de Jeff.
“Eu sou um artista de periferia. Nasci e me criei nas quebradas. É onde eu quero viver, respirar e vivenciar, é de onde vem minhas referências, onde meu coração pulsa mais forte. Eu preciso estar nos lugares onde vivem famílias pretas. Eu sou muito influenciado por esse contexto que eu nunca vi representado nos museus. Foram lugares negados para o nosso povo”, declara o artista, que acaba de retornar de uma residência artística em Portugal. Jeff já teve obras expostas em países como França e Inglaterra e conquista cada vez mais atenção do público e crítica despontando como um dos principais nomes das artes visuais do Estado e do mercado de arte contemporânea brasileira.
Embalada pelo som da DJ Boneka, a abertura da exposição, que ficará instalada na Galeria 1 da Caixa Cultural, começa às 19h e poderá ser acessada gratuitamente pelo público. A estreia também será marcada por uma visita guiada pelo artista, momento oportuno para trocas sobre os significados e processo de criação. A exposição temporária é acompanhada por uma série de atividades que abarcam outras linguagens e manifestações artísticas da cultura negra como Dança, Capoeira, Literatura, Teatro e Hip Hop, além de vivências e visitas guiadas com o artista e curador. Nomes como Bione, poeta e cantora, Rebecca França, artista e historiadora, Grupo Legado Capoeira, do Barro, Balé da Cultura Negra do Recife e o núcleo de pesquisa teatral O POSTINHO fazem parte da programação que acontece até janeiro de 2024 proporcionando uma experiência multidisciplinar aos/às visitantes.
No sábado (11), às 16h, acontece o primeiro encontro entre as ações programadas para possibilitar a reflexão e aprofundamento de conceitos e significados trabalhados na exposição. “Diálogo e encontro intercultural e valorização das comunidades quilombolas” reunirá Jeff Alan, Bruno Albertim para uma conversa mediada por Rebecca França. Ao debater sobre populações tradicionais na programação da mostra, Jeff e a curadoria buscam evidenciar os pontos de ligação entre a ancestralidade e sua prática artística. “Poder ocupar a Caixa Cultural com essa pauta é uma forma de reforçar o compromisso político da arte que reflete sobre a sociedade”, pontua ele.
A dedicação em usar seus pincéis para evidenciar os traços estéticos das gentes simples que compõem o tecido urbano de áreas vulnerabilizadas também se estende à escolha dos profissionais que atuam no projeto. A seleção da monitoria da exposição, por exemplo, foi baseada pelo critério de raça, assim como toda a programação cultural paralela a exposição que acontece ao longo dos três meses será protagonizada por pessoas negras.
Ruptura com herança colonial
Com patrocínio da Caixa Cultural e Governo Federal , a exposição “Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan” reunirá 57 trabalhos figurativos, sendo 19 obras inéditas, em dimensões diversas, em acrílica sobre tela e desenho sobre papel, que com imagens de pessoas que o olhar de Jeff captura em suas andanças por comunidades periféricas, especialmente no bairro do Barro, Zona Oeste do Recife, onde reside e mantém seu ateliê. É lá, na esquina do Bar de Beco, que ele observa o cotidiano e o movimentar das ruas por onde passam personagens que figuram em sua obra.
A exposição contará com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças, que destacam os traços e biotipos de crianças, jovens e adultos negros que entrecruzam o caminho do artista, que é daltônico e pinta desde a infância motivado pela sua mãe, Lucilene Mendes.
“Jeff Alan tem em sua arte, com habilidade incomum numa época ainda de desmaterialidades, um vetor de sensibilidade aguda para o preenchimento de
não-lugares da memória social de uma urbanidade recifense precariamente construída sob o amargo da cana de açúcar”, defende Bruno Albertim no texto curatorial da exposição. Crítico, antropólogo e jornalista, ele explica que a prática da figuração (pintura de retratos) estrutura toda uma tradição que fez o ocidente se entender enquanto grande potência civilizadora, enquanto conjunto de valores a ser preservado por meios diplomáticos ou violentos.
“A prática da pintura ajudou na criação dessa estrutura humana centrada na branquitude na figura, sobretudo, do homem branco como dominante. Desde a época das grandes navegações até o século 20, a pintura se volta para a glorificação dessa figura. É um discurso que se não estiver impresso na tela, ele está subjacente”, analisa.
Na leitura do curador, Jeff preenche os lugares de apagamento do povo preto e afrodescendente do Brasil, que não puderam produzir as narrativas oficiais da história. “A pintura de Jeff queima os antigos álbuns de família que era uma prática social muito forte nesse Brasil patriarcal, nesse Nordeste açucareiro de Pernambuco que glorificava a figura central do senhor do engenho. A pintura de Jeff em termos simbólicos e poéticos queima esses antigos álbuns para trazer esses atores pretos, periferizados para centralidade da composição e da discussão”, analisa Bruno.
SERVIÇO:
Exposição Comigo ninguém pode – A pintura de Jeff Alan
Abertura: Terça-feira (07), 19h
Caixa Cultural Recife, Galeria 1 (térreo)
Período de permanência : 07/11/2023 a 28/01/2024
Horário de visitação: Terça a sábado, 10h às 20h | Domingos e feriados, 10h às 18h
Entrada franca