Mulheres que vociferam poder

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O Slam das Minas nasceu para dar visibilidade à produção poética produzida pelas mulheres pernambucanas

Seja mais didática.
Vamos lá. Escravidão. Eugênia. Nazismo. Apartheid. Jim Crow. Black face.
Segregação, mesmo sendo maioria 54% da população.
Mas, peraí, o pior racista é o próprio negro.
Vamos do início. Eu sou confundida com empregada, com faxineira, só que faço mestrado, mas, calma, o racismo tá nos olhos de quem vê.
Agora tudo é racismo. Que vitimismo. Veja bem: macacos cotistas pixaram numa universidade Ku Klux Klan neonazistas.
Pediram o assassinato meu, de pessoas como eu, como minha mãe, irmã, pai, avós.
Dizem nos odiar pelo que somos.
Seja mais didática. Não tenho culpa do meu antepassado escravocrata. Não tenho culpa dos meus privilégios.
Mas tu só namora ou sente atraído por pessoas brancas. Ahhhhh, questão de gosto. Seja mais didática.
Vontade de gritar, mandar à puta que pariu.
Respiro, afinal é mais fácil uma negra ser dilacerada pelo racismo e conseguir ser didática que um branco privilegiado conseguir reconhecer seu racismo.
Respiro, inspiro, me inspiro didática e dolorida sigo.

A poesia-manifesto acima é de Bell Puente, vencedora do Slam das Minas PE 2017. Bell será a representante do Estado no “Slam da Resistência”, que acontece em dezembro, em São Paulo. Aos 24 anos, mestranda em História, ela foi uma das seis finalistas da versão pernambucana do Slam, um movimento nacional, que, por aqui, vem sendo viabilizado por Patrícia Naia e Amanda Silva, nomes de peso da cena poética recifense.

No último sábado (14), após cinco edições, o Slam das Minas teve o encontro derradeiro: o torneio de poesias tinha que decidir quem representaria Pernambuco nacionalmente. E esse nome seria ou Alquimista ou Bione ou Bell Puente ou Lilian Araújo ou Punny ou Olga. A primeira edição aconteceu em julho e reuniu cerca de 200 pessoas ao redor do Monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, Centro do Recife, onde também foi o cenário da final.

É bonito  ver que, embora uma competição, as poetas participantes do evento dizem não à ideia de rivalidade: “somos aliadas”. Amanda Silva garante que o Slam das Minas vai além: “A gente tá conhecendo as mulheres artistas, poetas que existem aqui [no Recife e Região Metropolitana] e que a gente ainda não tinha noção (…) elas estão indo pra uma roda de poesia e começando a mostrar o que elas sentem, o que elas escrevem”.

Movimento de resistência e existência, mulheres falando e sendo ouvidas é algo recente até na cena de poesia de rua. Numa cultura patriarcal, em que servir e calar sempre foi uma prerrogativa do ser mulher, o Slam emerge como um ato revolucionário, justamente para dar som à voz de mulheres de realidades e vivências diferentes. Num espaço em que o protagonismo feminino impera, uma mulher vira eco e a coragem de outra. E falam do que as incomoda, do que arde, do que faz chorar, do que emociona, de quem se gosta, do que não suporta, do que compõe o cotidiano – falam. E são ouvidas e priorizadas enquanto protagonistas de suas próprias experiências de vida que são.

“Ter vencido o Slam é saber, principalmente, que eu tenho uma responsabilidade muito grande agora, que é representar essas mulheres grandiosas de Pernambuco, que, na verdade, são as que me inspiram pra poder escrever. As que me cercam, as que eu convivo, desde a minha família até minhas amigas, mulheres que eu admiro de longe, as que eu conheci no próprio Slam. Pra mim, ter ganho é assumir uma grande responsabilidade com força”. Bell Puente

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Bell Puente emocionou o público durante a sua perfomance, que mistura poesia e canto

O Slam tem três regras: as poesias recitadas, necessariamente, tem que ser autoral e cada tem até três minutos para a sua performance. Não é permitido uso de acessórios (lenços, penduricalhos etc) na apresentação. As minas que “competem” são chamadas de “slammers”. Também é eleito um júri, sorteado na hora. O público e suas reações do público também influenciam na definição das notas das slammers.

A edição final do Slam das Minas PE foi mais do que acirrada: as duas baterias de poesia previstas se transformaram em três. O público vibrou a cada verso, principalmente, com o grande duelo final protagonizado por Bione e Bell Puente. A segunda saiu vitoriosa, mas Bione, de apenas 16 anos, recebeu todo carinho e do publico pela sua brilhante atuação durante todas as etapas.

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O Slam das Minas possibilitou maior aproximação entre o público e a produção artística local

A edição do Slam das Minas PE 2017 foi o ponta pé inicial para muitas artistas da cidade. Em 2018, tem mais. E, na volta, continua com a força de todas as mulheres que recitaram seus versos de empoderamento e que também representam nossas matriarcas e ancestrais.
Slam? Das minas!

Texto: Eduarda Nunes
Fotos: Divulgação
Edição: Lenne Ferreira (Afoitas)

Escrito por:

Lenne Ferreira

lenneferreira.pe@gmail.com

 @lenneferreira