Movimento#PátioVive ocupa o Pátio de São Pedro com Terça Negra especial em homenagem ao Dia da Consciência Negra

Além de comemorar o aniversário de morte de Zumbi, o #PátioVive quer promover a ocupação do espaço urbano a partir de um recorte racial afim de provocar o poder público
Um dos principais redutos da cultura negra pernambucana, o Pátio de São Pedro, no Recife, será palco, na próxima terça-feira (21), da Terça Negra Especial #PátioVive, uma iniciativa articulada pela produtora independente Aqualtune, o projeto Som na Rural, artistas e membros da sociedade civil. O evento, aberto ao público, reúne grupos culturais históricos da cena da cultura afropernambucana – como o tradicional Afoxé Ylê de Egbá, do Alto José do Pinho, e o Raízes de Quilombo, do Morro da Conceição, que comemora 30 anos de fundação. Além de homenagear o Dia da Consciência Negra, o evento quer levantar uma reflexão sobre a necessidade de ocupação dos espaços urbanos a partir de uma perspectiva racial, cultural e socialmente inclusiva.
Apesar de ter seu conjunto de casario tombado pelo IPHAN, atualmente, o Pátio de São Pedro encontra-se “ocioso”, embora localizado no Centro do Recife. O objetivo é demarcar a importância de local, que tem uma representação afetiva para a memória urbana do bairro de São José, além de valor símbolico para a cultura afro pernambucana. A ação ainda tem a finalidade de levantar reflexões sobre os papeis da sociedade civil e do poder público na ocupação temporária do espaço urbano, dando-lhe valor de uso. Uma das articuladoras da ação é projeto independente, Aqualtune Produções (em homenagem a avó de Zumbi do Palmares), que incentiva o protagonismo de mulheres negras na produção cultural. A cirandeira Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco, e o xambazeiro Guitinho, do grupo Bongar, além de outros artistas da cena local, apoiam a iniciativa.
Parceiro constante de ações socialmente engajadas, o Som da Rural estaciona no Pátio de São Pedro para fazer coro com o movimento #PátioVive, atendendo a uma reivindicação dos próprios artistas e produtores negros locais. De forma lúdica, o comunicador Roger de Rennor cede a direção do carro à Dandara em respeito ao lugar de fala e o protagonismo negro. Grupos tradicionais como o Raízes de Quilombo, que projetou nomes como o percussionista Lucas dos Prazeres, abrilhantam a programação. O Raízes, inclusive, foi o primeiro grupo a tocar na primeira edição da Terça Negra, quando ela ainda era realizada na calçada do Pagode do Didi. “O Pátio de São Pedro é um espaço da nossa representatividade e é histórico pela retomada da Terça Negra, que surgiu como alavanca da cultura negra e periférica”, afirma Ceça dos Prazeres, à frente do Raízes de Quilombo.
Além de grupos tradicionais como o Afoxé Ylê de Egbá, criado em 1986 para lutar pela preservação da cultura e da história do povo negro, a Rural também recebe artistas da atual cena periférica, caracterizada pelo engajamento político e social. O rap será representado pela Batalha da Escadaria, que atua há 10 anos promovendo batalha de MC’s nas escadarias da Rua do Hospício, centro da cidade. O coletivo Boca no Trombone, de Água Fria, também marcará presença. Desde 2014, o coletivo reúne jovens do bairro e da Região Metropolitana do Recife para falar de empoderamento e combater o racismo com poesia.

Negrita
O hip hop também será representado pelas minas do grupo 808 CREW e a voz de Negrita MC, recifense criada em Carpina, Zona da Mata. Débora Leão é conhecida como “a negra que grita”, o que lhe rendeu o codinome. A MC se apresenta ao lado do 808 CREW, formado por mulheres negras do interior de Pernambuco e da região metropolitana do Recife e que promove o empoderamento das mulheres negras dentro do movimento Hip Hop. Na rima, o tom das minas é de denúncia contra o machismo e o racismo.

808 CREW
A comunidade LGBT, que sempre teve o Pátio de São Pedro como território, será representada pela performance “Bicha Preta”, que será conduzida pela trans não binária, Crys Guimarães. Natural de Orobó, interior do estado, a performer é a artista por trás da drag Mun Há. Crys inova e se renova a cada performance. Conhecida pelas atuações políticas e de cunho social, Crys é referência artística no Centro de Artes e Comunicação da UFPE.
Agenda do Novembro Negro – Um dia depois do Dia da Consciência Negra, que marca o aniversário de morte de Zumbi dos Palmares – herói da resistência quilombola, morto em Pernambuco – o 21 de novembro é uma terça-feira, dia da semana que marcou, por mais de uma década, a Terça Negra, projeto do Movimento Negro Unificado (MNU), que também apoia a iniciativa. Ao longo de anos, o evento representou a principal vitrine de grupos da cultura popular como afoxés, cocos e maracatus, além de gêneros da música negra como o rap e o reggae. O MNU também é parceiro na iniciativa.
A Terça Negra fez história, virou temática de pesquisas universitárias nacionais e internacionais e livro-reportagem, com o Dia de Negro (Funcultura, 2012), de autoria da jornalista pernambucana Mariana Reis. Sem aporte financeiro da Prefeitura do Recife, nem acesso a outros recursos, o projeto, pouco a pouco, foi extinto. “Falta vontade do poder público, que retirou todo o apoio em 2017”, desabafa Demir da Hora, um dos produtores da Terça Negra e integrante do MNU, que também apoia o Movimento.
Quilombo de resistência – O Movimento #PátioVive é uma tentativa também de resgatar a programação cultural do Pátio de São Pedro, engajando a sociedade civil, que também reivindica ações públicas para garantir a re-ocupação de um lugar de importância simbólica para o povo negro, como é o Pátio de São Pedro e suas imediações. Ali, por exemplo, está localizada a estátua do poeta recifense Solano Trindade, cineasta, teatrólogo, conhecido como Poeta do Povo e um dos principais militantes negros do século 20, atuando, nacionalmente, no Teatro Experimental do Negro (TEN). O Pátio também abriga espaços culturais como o Núcleo Afro, o Memorial Chico Science, a Casa do Carnaval e o Memorial Luiz Gonzaga – vale ressaltar, este também um artista negro e sertanejo, muito embora sua origem como tal seja invisibilizada pelos registros. Tais espaços se encontram subutilizados, o que pode dar pistas, mais uma vez, da carência de políticas públicas culturais, em especial, do campo popular e da cultura negra.
Enquanto território, o Pátio de São Pedro também está lado a lado com o Pátio do Terço, cenário histórico da cultura local, com o festejo carnavalesco da Noite dos Tambores Silenciosos, conhecida no mundo todo, e que abriga a Casa de Badia, primeira casa de tradição nagô do Recife. Assim, memória, ancestralidade, religiosidade e manifestações artísticas estão intrinsecamente ligados a esses lugares. “O Pátio de São Pedro precisa se reafirmar como um pátio negro e vivo e com urgência precisa ser ressignificado e reinventado pela população a partir de iniciativas que visem a sua ocupação, mas com apoio da gestão pública também”, explica Paula Santana, produtora cultural e responsável pelo Pátio Criativo, um dos únicos espaços que ainda abre as portas nas noites do Pátio de São Pedro. O Movimento #PátioVive, é apartidário e conta com o apoio dos comerciantes que atuam na área. A ideia é que sejam realizadas outras ações no local com a finalidade de manter a vida ativa da área, ampliar a discussão sobre a ocupação e manutenção do Pátio por meio de uma audiência pública, que é um dos objetivos do grupo.
SERVIÇO:
Terça Negra Especial #PátioVive – Em Homenagem ao Dia da Consciência Negra
Terça-feira (21), a partir das 18h
Atrações:
Afoxé Ilê de Egbá
Raízes de Quilombo – comemorando 30 anos
Batalha da Escadaria
Recital Boca no Trombone
Performance “Bicha Preta” (Crys Guimarães)
MC Negrita X 808 Crew