Mãe Biu, líder religiosa histórica, é homenageada com Coco pela Nação Xambá

Texto: Lenne Ferreira | Imagem: Beto Figueiroa

Na comunidade Portão de Gelo, em Olinda, rua tem nome de mãe de santo e casa tem cor de orixá. Endereço do terreiro Ilê Axé Oyá Meguê, da Nação Xambá, o local guarda as memórias de resistência dos xambazeiros no estado, que teve como líder religiosa mais expressiva a yalorixá Severina Paraíso da Silva, mais conhecida por Mãe Biu. A trajetória da líder religiosa, que faleceu em 1993, é inspiração para xambazeiros/as da nova e velha geração, parentes de sangue e espirituais, que cantam e dançam em sua homenagem todo dia 29 de junho, data de nascimento de Mãe Biu, que virou patrimônio da Nação Xambá.

A festa representa o reencontro com as raízes que deram origem à comunidade, onde vivem parentes consanguíneos de Mãe Biu e filhos de santo. É nesse dia que os filhos e filhas do terreiro vestem roupa nova, preparam pratos especiais, recebem parentes distantes. A celebração foi criada há 58 anos pela própria Mãe Biu depois de um episódio triste: a morte de uma criança em uma cacimba da comunidade. Para que nada acontecesse ao seu povo, a matriarca assegurou aos mestres da jurema homenageá-los todos os anos. O que era promessa virou tradição, e os filhos e filhas da casa fazem da organização da festa um rito de devoção.

A sambada também tem valor afetivo para gente que não tem vínculo religioso com o terreiro, mas conviveu com Mãe Biu, que era filha de Ogum e Iansã e que é lembrada com0 uma anfitriã atenciosa. A tradicional festa em seu tributo, que nasceu no chão do terreiro, hoje transborda pela rua e atrai pessoas de vários lugares.

Marcas da repressão

A Nação Xambá surgiu em Maceió (AL) e teve como maior disseminador o babalorixá Artur Rosendo Pereira. Na década de 1920, veio ao Recife fugindo da repressão policial rumo a Campo Grande. Nova repressão, pelo Estado Novo, em 1938, fechou as portas da casa. Sob a liderança de Mãe Biu, os cultos voltaram, perto do Rio Beberibe, em 1951, onde foi fundada a Portão de Gelo com a restituição do terreiro Santa Bárbara – Ilê Axé Oyá Meguê. A yalorixá não imaginava que, ao guiar o povo ao Portão do Gelo, originava o primeiro quilombo urbano de Pernambuco, assim reconhecido, em 2006, pela Fundação Cultural Palmares.

 

Xambá da liberdade

A visibilidade conquistada pelo povo da Xambá serviu para elevar a autoestima da geração de xambazeiros mais jovens. Hoje, crianças e adolescentes encontram na religião uma forma de empoderamento social. Um exemplo desse orgulho é o grupo Coco Miudinho, composto por crianças e adolescentes da Xambá. “Hoje, a molecada vivencia o Xambá com mais liberdade e não tem vergonha de dizer que é de terreiro”, comentava o saudoso Guitinho da Xambá, liderança falecida em 2021. O terreiro custeou com recursos próprios a construção, em 2002, do Memorial Severina Paraíso da Silva, composto por acervo fotográfico e documental com informações que datam da década de 1920 até os dias atuais.

Escrito por:

Lenne Ferreira

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