Mãe Beth de Oxum não anda só

Nesta sexta-feira (29), às 9h, acontece o seminário “Fortalecendo as Lutas e a resistência Negra em Pernambuco”, na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe), no bairro da Boa Vista, com Inaldete Pinheiro (Escritora e Ativista Negra), Rosa Marques (Socióloga e Ativista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco), Gilmara Santana (Estudante de Serviço Social e Ativista da Articulação de Negras Jovens Feministas), Fernanda Falcão (Ativista trans integrante do GTP+) e Beth de Oxum (Ialorixá do terreiro Ilê Axé Oxum Karê). O encontro acontece no mesmo momento em que Beth, mãe, mulher negra, artista e comunicadora nordestina, é injustamente acusada por deputados estaduais da bancada evangélica de incitar o ódio contra pastores fundamentalistas e à elite branca no Festival Lula Livre, ocorido no último dia 16.

Mãe Beth de Oxum. Ilustração: Ganjja Pessoa
O pastor Jairinho, candidato a senador em 2018 pelo partido Rede Sustentabilidade, informou através de vídeo em seu canal do YouTube que protocolou uma ação no Ministério Público Federal de Pernambuco, solicitando explicações a Beth de Oxum. Segundo ele, “além dela xingar o presidente da República, como já é de esperar, ela voltou a sua ira, e a sua intolerância religiosa contra os pastores. E eu fiquei preocupado, porque ela falou que tava na hora de meter o pau, de partir pra violência, eu fiz a representação já está aqui e estou levando também a polícia para que tome as cabíveis (sic) para que ela possa se explicar, no mínimo respeitar o povo de deus, o povo evangélico. Deus abençoe. A guerra tá começando, irmão!”. No plenário da Alepe, o bispo da Igreja Universal e deputado William Brigido (Partido Republicanos) reclamou do fato de artistas terem, no Festival Lula Livre, se posicionado contra os evangélicos e à política do presidente Jair Bolsonaro (Partido Aliança Pelo Brasil). Já o parlamentar João da Harpa (Partido Progressistas) teria afirmado que “vivemos num país pacífico em termos de violência religiosa e assim queremos continuar”.
Como resposta a esta e outras colocações dos deputados, Mãe Beth de Oxum respondeu através de comunicado oficial nas redes sociais. “Ao invés de discutir teologia, líderes políticos deveriam apresentar projetos de lei para a segurança pública no Estado de Pernambuco, para a região metropolitana do Recife e interior: o medo assola a população pernambucana, e colabora com a perpetuação de poucos no poder. Se preocupem mais com os projetos de lei para a melhoria do nosso Estado, do quem com falsas e inúteis intrigas religiosas e acusações descabidas “, disse a ialorixá. Sacerdotisa do Candomblé há mais de 30 anos e juremeira, no início do mês Beth de Oxum foi convidada do evento “Fé no Clima”, na Conferência Brasileira de Mudança do Clima (www.climabrasil.org.br), na Sinagoga Kahal Zur Israel, no bairro do Recife, preparatória para a Conferência do Clima da ONU (COP 25). Participaram deste encontro teve a presença o rabino Nilton Bonder, o padre Fábio Santos, coordenador da Comissão para o Ecumenismo da Igreja Católica de Pernambuco; o pastor Paulo César Pereira, presidente da Aliança de Batistas do Brasil; e Jaqueline Xukuru, da comunidade indígena Xukuru (Serra do Ororubá, Pesqueira – PE).
Os movimentos sociais evangélicos se posicionaram acerca do episódio, entre eles o Movimento Negro Evangélico e a Frente de Evangélicas/os pelo Estado de Direito. “Reconhecemos na manifestação da Mãe Beth de Oxum uma expressão da condição de injustiça social em perseguição e intolerância religiosa sofrida pelos povos de matrizes afro-brasileiras. Pois sabemos que, segundo dados do Disque 100 (2018), as religiões de matrizes africanas, umbanda e candomblé são as principais vítimas do racismo religioso habitualmente cometido por pessoas ou grupos ditos cristãos no Brasil. Diante disso, e até o presente momento, desconhecemos projetos e ações propostas ou criadas pelos acusadores de Mãe Beth, e das bancadas evangélicas de modo geral, para elimiar esse tipo de prática criminosa que é recorrente no segmento de seus adeptos religiosos”, publicou no seu instagram oficial o Movimento Negro Evangélico de Pernambuco, em nota de apoio a ialorixá. Também se posicionou em carta de apoio a Frente de Evangélicos/as pelo Estado de Direito (Núcleo Pernambuco), afirmando que reconhecem “o discurso de Jesus na fala de Mãe Beth, pela sua coragem e comprometimento em denunciar as arbitrariedades cometidas por determinados líderes religiosos”, segundo a Frente, ” omissos diante da prática do racismos institucional e religioso”.
Terreiros secularmente são invadidos, queimados, vandalizados, sem que haja o mínimo respeito pelas lideranças que defendem a história e cultura africana e afro-brasileira, como Mãe Beth de Oxum, que na frente do terreiro Ilê Axé Oxum Karê realiza mensalmente a sambada de coco no bairro do Guadalupe, que preenche o beco da Macaíba, no Sítio Histórico de Olinda, em celebração a cultura de ascendência africana. “Os becos precisam ser ocupados, as ruas precisam ser ocupadas, as praças precisam ser ocupadas com a cultura. Porque a cultura alimenta a nossa alma” é um dos discursos mais presentes na fala de Mãe Beth de Oxum. A nossa cultura se perpetua através dos tempos e vêm transformando positivamente a realidade dos grandes centros urbanos e também do interior do Brasil, graças aos quilombolas, aos ribeirinhos e outras populações tradicionais que lutam pela demarcação dos seus terrtitórios.

Sambada do Guadalupe no Beco da Macaíba – Olinda. Foto: Costa Neto/Fundarpe.
Mãe Beth de Oxum está sendo perseguida por que mandou “pastores fundamentalistas e a elite branca se foder”. A forma como essa mulher preta e favelada se expressa com um microfone na mão fala muito sobre um cansaço, uma revolta centenária, que já não pode ser abafada. Não é contra uma pessoa que ela fala nem contra todos os cristãos porque, sabemos, igreja também é lugar de gente com muito amor no coração. A fala de Beth é contra um pensamento e projeto de país que violenta a maioria da população. “Pastores fundamentalistas e a elite branca” mandam a gente se foder todos os dias. Com um discurso cristão e de pregação do evangelho, nossos sacerdotes são xingados e desrespeitados em cultos fechados ou em praças públicas, em programas de rádio e televisão. No metrô ou ônibus e até dentro das nossas casas de culto, que já foram invadidas e profanadas incontáveis vezes pelo Brasil a fora e a dentro. Eles mandam a gente se foder de maneiras outras, muitas vezes sutis, mas com peso muito superior porque vai além de uma frase. Intolerância religiosa sentida pelo povo preto de terreiro, todos os dias e horas, desde que foi iniciada a nossa transmigração nesse continente onde chegamos escravizados.
Mãe Beth de Oxum não anda só!
Texto: Lenne Ferreira e Kalor Pacheco.