Givânia das Crioulas e da luta por dignidade para população quilombola

A ativista se tornou a primeira quilombola de Conceição das Crioulas a ingressar no curso superior e fez da Educação ferramenta na luta por direitos para o seu povo

Texto: Eduarda Santos | Edição: Lenne Ferreira

No início do século XVII, seis pretas guiadas por um escravizado rebelado chegam a uma região no sertão de Pernambuco. A história conta que, ali, se estabeleceram numa área de três léguas em quadra e foram conquistando o território com seus trabalhos artesanais na produção e fiação de algodão. O guia do grupo, chamado Francisco José, havia levado consigo uma estátua de Nossa Senhora da Conceição, para quem as mulheres fizeram uma promessa: se conseguissem a propriedade daquele território, iriam construir uma capela para a santa.

Em 1802, o pedido foi concedido e elas se tornaram donas do território, cumpriram a promessa da construção da capela que foi nomeada “Capelinha de Nossa Senhora da Conceição”. Nascia assim o marco que deu origem ao Quilombo Conceição das Crioulas, localizado no distrito de Conceição, dentro do município de Salgueiro. Anos mais tarde, Maria de Lourdes e João Umbelino davam à luz à Givânia Maria da Silva, outro marco da comunidade, que se tornaria um dos nomes de maior importância na luta pelos direitos das comunidades quilombolas no Brasil.

Localizado em Salgueiro no sertão de Pernambuco, Conceição das Crioulas abriga 750 famílias

Givânia foi um ponto fora da curva que influenciou a vida de muitas outras meninas e mulheres quilombolas. Ela foi a primeira em sua comunidade a entrar numa universidade, realizou o magistério muito cedo e se tornou professora, algo que não era a realidade para nenhuma menina do Quilombo. Até então, a maioria tinha o mesmo destino: trabalhar como empregada doméstica das famílias ricas do entorno. 

“Desde que me formei professora, eu tenho tentado fazer do meu exercício de professora, uma ferramenta de luta pelo direito do meu território”, conta ela, que, atualmente integra a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil. Mas sua trajetória começou bem antes e conta com muitos capítulos. Foi no fim dos anos 80 e início dos anos 90, que Givânia iniciou sua vida de ativismo, por influência de Inaldete Pinheiro, com quem trabalhava pelo direito dos/das trabalhadores/as rurais.

Foi nessa época que ela começou a pesquisar sobre a luta racial e a origem de Conceição das Crioulas. Conheceu os movimentos quilombolas sobretudo no Pará e Maranhão, e,  em 1995, no I Encontro de Comunidades Quilombolas, no debate da marcha de 300 anos de Zumbi dos Palmares, deu o pontapé inicial de criação da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras, rurais, Quilombolas), na qual atua como coordenadora nacional na defesa dos direitos das comunidades quilombolas. 

“Quando eu entendi quem tinham sido as Crioulas, quando entendi meu grau de pertencimento à elas e o que tinha acontecido no século 18 e 19, e porque esse território havia sido tão depredado e agora quem não tinha naquele momento direito a terra eram descendentes dessas Crioulas, eu transformei isso não só em narrativa de luta, mas também, tive a oportunidade de ser a 1º diretora da escola da comunidade e transformar essa história em um currículo pedagógico escolar”, relembra ela. 

Givânia compõe a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala

Trajetória de ativismo

Professora graduada em Letras, Givânia começou a ensinar dentro da própria comunidade. A vivência quilombola a motivou a encontrar formas de melhorar a vida das suas e dos seus conterrâneas/os. Em 1996, se tornou a primeira mulher quilombola de Conceição das Crioulas a ingressar no curso superior. “A pauta da Educação entra na minha vida pela própria negação do direito à Educação não só a mim como a meu povo ”, conta ela em entrevista para o portal Afrontosas.

Depois do curso superior, Givânia se especializou em Programação de Ensino e Desenvolvimento Local Sustentável e, em 1996, fundou a CONAQ. O ativismo caminhou lado a lado e também pautou sua carreira acadêmica.  Mestra em Políticas Públicas e Gestão da Educação pela Universidade de Brasília-UnB (2010-2012) e doutoranda do curso de Sociologia na mesma Universidade (2017- 2020), ela se dedicou a pesquisar sobre educação escolar quilombola, organização de mulheres quilombolas e questões de terras em quilombos.

Givânia residiu em Brasília por 13 anos ocupando cargos no governo federal na Secretaria Nacional de Políticas para as Comunidades Tradicionais no 2º governo Lula. Também foi coordenadora de Regularização dos Territórios Quilombolas do INCRA no final do governo Lula e no 1º mandato de Dilma. Além disso, ela também foi vereadora por dois mandatos em Salgueiro, foi do Diretório Estadual do PT de Pernambuco e também Presidenta do PT de Salgueiro. 

A ativista tem uma relevância exemplar na luta pelos territórios quilombolas, mas também na vida de seus 32 estudantes da escola Antônio Vieira de Barros, anexo da Escola Osmundo Bezerra, no município de Salgueiro, onde ela ajuda na formação de jovens. Ela conseguiu, junto com a comunidade, transformar o currículo pedagógico escolar, adicionando disciplinas sobre a história e origem de seu território. Sua atuação justifica o convite que recebeu para compor na Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, que oferece suporte para que ela siga construindo revoluções partir da coordenação de projetos de impacto como a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas e também atua como pesquisadora com vários projetos na CONAQ, sobre racismo, violência e discursos raciais.

Para Givânia, não é possível avançar enquanto democracia ou na promoção da justiça social sem considerar a questão racial. Esse combate, ela faz questão de fazer. “ Nós precisamos acreditar que somos capazes, e quem impede e tira essa crença da nossa capacidade é o racismo, e é por isso que temos que lutar todos os dias contra ele, é isso que me move todo dia.”

Escrito por:

Afoitas Jornalismo

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