Festival Recife + Verde promoveu shows apoteóticos, mas pecou na proposta sustentável

Texto Giovanna Carneiro | Fotos: Fran Silva

“Recife, Pernambuco, Brasil”. Foi com sua voz única e grave e demarcando o chão sagrado em que estava pisando que um dos quatro pretos mais perigosos do Brasil, Mano Brown, iniciou o show mais aguardado do Festival Recife + Verde. Há alguns pontos a serem abordados sobre o evento, que aconteceu no último sábado (1), no Classic Hall, mas tudo parece ficar pequeno perto da alegria de ver Racionais MC’s ao vivo no palco. O último show da noite foi também o mais aguardado pelo público, que cantou e se emocionou junto com os rappers ao som de clássicos do rap nacional como “Negro Drama”, “Eu sou 157” e “Jesus Chorou”. 

Ainda assim, a grandeza de Racionais não diminuiu os demais artistas que se apresentaram no palco do festival. Da Batalha da Escadaria, passando por Bione, Baiana System com participação especial do rapper baiano Vandal e Djonga até chegar em Racionais, o Recife + Verde ofereceu uma line up de peso cultural irrefutável. 

Com produção da Aqualtune, Bione apresentou o show EGO, primeiro álbum visual de uma MC de Rap de PE

Sendo a única mulher a integrar a line do evento, Bione celebrou e defendeu o protagonismo das mulheres negras no Rap com um show comovente e completo, composto por dança, rimas, letras e beats que instigaram o público. O momento da canção “Deixa as garota brincar”, onde a rapper convida todas as mulheres a formar uma roda punk só delas, marcou e sintetizou a exaltação feminina do trabalho da artista pernambucana. 

Comandado por Russo Passapusso, o show de Baiana System colocou o público para pular, como de costume. O ponto da apresentação foi a participação do rapper baiano Vandal, que se somou aos demais artistas da line up do festival para promover um protagonismo do rap. Durante o show, houveram diversos momentos de referência a Chico Science e ao movimento Manguebeat – que completou 30 anos em 2022. 

Com composições que marcaram toda a sua carreira, como “Ladrão”, “Olho de Tigre” e “Hoje Não”, e uma energia contagiante, Djonga colocou fogo no palco do festival. O rapper declarou o seu amor pela cidade, relembrou sua passagem ao Recife no início da carreira, e celebrou o fato de poder retornar e cantar para uma plateia maior e com as letras na ponta da língua. No meio do público, Djonga cantou “Olho de Tigre” e fez uma roda punk gigante onde as pessoas pulavam e cantavam junto com ele “fogo nos racistas”. 

Mineiro fez um show que passou pelos hits que o consagraram no Rap nacional

Apesar de ter ingressos com valores não tão acessíveis para boa parte da população – com vendas iniciadas a R$ 90 -,  a grade do evento, em sua grande maioria formado por artistas do Rap, fez com que o festival tivesse um público majoritariamente negro. E foi simbólico e importante poder ver pessoas negras usufruindo de momentos de lazer e sendo protagonistas de um grande evento, para além dos lugares de servidão que historicamente nos é atribuído. A beleza e o estilo do público também não passaram despercebidas. 

O Recife Mais Verde demonstrou como a representatividade é fundamental para promover a inclusão. Ao levar para o palco do evento artistas negros e negras, o festival instigou as pessoas negras a fazerem parte do que pareceu ser uma celebração da música negra brasileira, com foco no rap nacional. O movimento de inclusão também ficou evidente na estrutura montada para receber pessoas com deficiência, que possibilitou acessibilidade e locomoção.

A área montada para receber a praça de alimentação e lazer – com pista de skate, exposição de arte dos artistas Alexandre Almeida, Alexandre Gondim e Daniel Galvão e espaço de grafite – foi outra estrutura proposta pelo festival que pareceu ter dado certo e satisfazer o público que circulou pelo local diversas vezes durante o evento. Com isso, a ideia de valorizar múltiplas linguagens da arte – como o grafite – , além da música, foi bem sucedida. 

Festival precisa melhorar “pegada” sustentável 

Outro ponto bastante valorizado pelos organizadores do evento e que caracterizou o mote do festival deixou a desejar em alguns aspectos: a sustentabilidade. O compromisso do Recife Mais Verde de plantar uma muda de árvore a cada 10 ingressos vendidos para compensar a poluição gerada pelo evento é uma iniciativa singular e que deve ser louvada, porém, a estratégia de conscientizar o público na promoção de ações sustentáveis durante o evento não foi tão bem sucedida. 

Para consumir cerveja, refrigerante, energético, ou qualquer bebida enlatada, as pessoas precisavam comprar um copo personalizado do evento que custava R$ 20. Porém, o mesmo não acontecia com a água, que era vendida em garrafa plástica. O resultado foram diversas garrafas plásticas descartadas no chão do Classic Hall. Além disso, algumas pessoas perdiam seus copos durante os shows e passaram a questionar a necessidade de gastar R$ 20 novamente para consumir as bebidas. 

Outra crítica feita pelo público foi referente aos preços das bebidas, que estavam caras. Uma água de 330 ml, por exemplo, custava R$ 8 e a lata da cerveja mais barata custava R$ 10. Inclusive, a cerveja mais “barata” acabou antes das 23 horas, o que deixou o público bastante insatisfeito e gerou situações de tensão com os funcionários dos bares. 

Não é a primeira vez, e provavelmente não será a última, que os festivais realizados no Recife apresentam problemas de estrutura e organização. Não é possível afirmar que isso ocorre unicamente devido a falta de preparo dos organizadores, o que ficou evidente é que o público pernambucano não pode mais ser subestimado e a organização de grandes eventos deve estar preparada para satisfazê-lo. 

 

Escrito por:

Afoitas Jornalismo

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