Do Detran ao Caiara, circulação de pessoas não para!


“Nem parece que estamos em quarentena”. O comentário é de uma moradora do bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife, onde moro. Por aqui, sempre teve muita movimentação e o ritmo continua quase que no mesmo fluxo. Diante da pandemia global, muitos não cumprem as recomendações realizadas pelas autoridades da saúde. Em Pernambuco, registramos mais de 10 mil confirmações de contágio, mas do Detran ao Caiara a história é a mesma, ninguém deixa de circular.
No início da quarentena, decretada em 16 de março passado, a dinâmica do bairro mudou. Aqui na Vila União, local onde moro, houve um esvaziamento de ruas que, antes, eram cheias de crianças brincando, vizinhas conversando nas portas e, até os frequentadores da barraca da Dona Carmelita, sumiram. No entanto, logo, tudo voltou ao “normal”, com uma estética um pouco diferente, mas demonstrando grande despreocupação da população.
Nem parece que estamos em uma quarentena. E, quando avalio toda a situação do país, percebo que ainda nem chegamos ao pico da pandemia. Como mencionei anteriormente, nas duas primeiras semanas, notei o esvaziamento das ruas. Parecia que as pessoas tinham entendido a importância de se prevenirem do contágio pelo coronavírus. Mas, logo após o pronunciamento do atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido e sem competência para governar), tudo mudou e os vizinhos, aparentemente, retomaram suas rotinas.
A pracinha no final da rua voltou a ficar lotada, na quadra a rapaziada joga bola, enquanto outros gravam vídeos dançando passinho. É assim todos os dias! A maior parte das pessoas, de criança a adulto, não usam máscaras, que teve o uso decretado como obrigatório. Em certo dia, quando ia ao mercado, escutei um grupo conversando sobre como toda essa história de coronavírus era uma “invenção”, uma mentira e que “ninguém era obrigado a ficar preso”.
De fato, ninguém é obrigado a ficar “preso” em casa, mas o contexto atual pede. Passei a refletir e questionar o porquê de tanta incredulidade? Dias depois, com a divulgação dos boletins, os número que antes não significavam nada além de número, passou a receber nomes, por vezes conhecidos e que revelaram a gravidade do problema.
Além dos serviços essenciais que seguem abertos, comerciantes locais criam táticas para permanecer em funcionamento. Tudo funciona e vez ou outra aglomera. Nesse meio como saber quem está contaminado ou não? Não tem como saber, os testes aqui não chegam, pois os recursos são limitados. O medo aumenta. Alguns recorrem à fé. O povo faz os pedidos de boa saúde e que Deus não leve, mas que cure.

Enquanto os números de pessoas contagiadas aumentam, na rua um vereador colocou um carro de som para divulgar nas redondezas as recomendações de lavar as mãos, manter o distanciamento social e evitar sair de casa. Fora isso, nenhuma ação educativa foi implementada pelo poder público.
Em conversas com líderes comunitários, ouvi relatos ainda mais graves sobre uma quantidade elevada de famílias, sobretudo as que não receberam o auxílio emergencial do Governo Federal, que está vivendo apenas de doações de cestas básicas de organizações não governamentais. E ainda bem que essa ajuda chegou!
Enquanto tudo isso acontece, em meio a sentimentos diversos, como ansiedade e tristeza, com os bloqueios criativos e até desentendimentos em casa ou no ambiente virtual, tentamos no reeducar. Nessa busca da reinvenção a partir da necessidade de se manter ativa(o) e de certa forma “controlar” a situação e atravessar toda a crise, trabalhadoras e trabalhadores daqui tentam sobreviver como podem.
Muitos precisam sair para trabalhar e, com a necessidade do uso de máscaras para proteger nariz e boca, surgiu uma chance de renda para a costureira Maria Cristina da Silva, mais conhecida como minha mãe, que aprendeu a fazer o adereço e passou a vender. É importante trazer esse trabalho a tona, porque através dele, ela informa muito mais sobre a importância de proteção do que o própria prefeitura tem feito nas ruas.
Mesmo resistindo à adaptação com a nova vida, a comunidade tenta levar com bom humor. A vizinha logo cedo liga o rádio para escutar a oração católica matinal, às vezes conversa da própria calçada com a vizinha do outro lado da rua. Observo que as pessoas saem mais protegidas quando vão ao mercado.
Ainda não é tempo de se sentir à vontade, principalmente, quando se vive em áreas com pouca ou nenhuma assistência do Estado. Os mais vulneráveis teimam, mas também tentam alimentar os seus ou salvar a mente já que também não têm muito acesso a métodos terapêuticos para enfrentar momentos de crise. O povo circula por todas as partes, quebra a quarentena e banaliza a gravidade mesmo que de forma inconsciente. Aqui, conviver com histórias de desgraças é lugar comum, já está no cotidiano das pessoas e isso também é demonstrado pela forma como a Covid-19 é encarada nas comunidades periféricas. “Não de perde muito quando não se tem nada”.
Maya Santos é estudante de Jornalismo, produtora de conteúdo e afoita.