Bell Puã embarca para representar o Brasil em campeonato internacional


Bell no Slam BR, quando foi campeã nacional no campeonato de poesia falada
“Deus e os astros me disseram
pra entre os passos
sempre deixar os rastros
da grandeza do sertão”
São versos como esse que a mestranda em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Isabella Puente, colocou na bagagem que leva para a competição mundial de poesia falada, na França. A moça de 24 anos que assina como Bell Puã, foi a única representante do estado no Slam Br – Campeonato Nacional de Poesia Falada, que aconteceu em São Paulo em dezembro passado, e garantiu o título de campeã. Como prêmio, nesse fim de semana, ela embarca para representar o Brasil e a América Latina na disputa internacional.
Entre os temas que Bell aborda em suas narrativas poéticas encontram-se racismo, gênero, identidade e, principalmente, territorialidade. Bell fez questão de ressaltar a xenofobia em seu discurso trazendo a tona processos como o colonialismo, que marca o continente americano. contra americanos e nordestinos sofrem quando em passagem ou estadia no sudeste em seus versos:
“é pra ter um ataque
ator de novela
quando imita nosso sotaque
é que pra vocês nós é caricatura
num interessa de onde venho
me chamam de paraíba
me respeita, boy
sou da terra de Capiba”
A poesia acima, conta Bell, quase não entrava no repertório preparado para o Slam Br: “Antes de ir, mostrei o eu tinha preparado pra recitar lá pra [Patrícia] Naia. Depois, mostrei essa, mas achava que não era muito a cara do Slam. Ela disse pra eu levar. Aí, já em São Paulo, mostrei a poesia pra galera poeta que conheci, inclusive paulistas e cariocas, e eles acharam massa. Foi por influência deles que recitei”. A poesia entrou ainda na primeira batalha de Bell, a competição das chaves para as semi-finais, deixando o público – que em sua grande maioria eram os paulistas – em um silêncio incomodado:
“passei não só pra dar um cheiro
mas pra ser bem direta
depois de muito castelar
num verso de Miró da Muribeca
respeita o Nordeste
as mina guerreira, as mina poeta
quando for imitar sotaque
de pernambucano, não esqueça
esse é o povo mais brabo e vaidoso
em linha reta”
Sobre o processo criativo de seus versos, Isabella cita nomes como Mário Bros, grafiteiro, tatuador e artista plástico recifense. “Artista não bate ponto, o processo criativo é o que se vive e o que se tem”, diz. Filha de mãe carioca e pai pernambucano, a moça que tem suas asas riscadas nas costas se afirma enquanto militante pelo Coletivo Afronte, dançarina e performer pelo UM Coletivo, e poeta pelo movimento Slam das Minas Pernambuco. É formada em história e pesquisa história ambiental em sua dissertação de mestrado, sobre as pessoas que moravam no mangue no século XX, tudo pela Universidade Federal de Pernambuco. É muito material pra poesia.
Poesia essa que é inspirada também em Miró da Muribeca, nome de peso na cena poética do Recife e Região Metropolitana, sempre lembrado e muito querido por todos nós, Felipe Santana, amigo pessoal de Bell, também poeta, que a convidou para ir nos saraus que provocaram a vontade de se aprofundar mais um pouco. Além de Luna Vitrolira e Gleison Nascimento. E foi a partir das batalhas do Slam das Minas PE, que teve Patrícia Naia e Amanda Timóteo à frente, que o engajamento se concretizou. Hoje, mais mulheres compõem o movimento e buscam dar suporte para as poetas em potenciais, além de se articular com os outros grupos de poesia do estado.
Com ilustrações de Heitor Pereira, Bell lançou seu primeiro livro de poesia, intitulado “Lutar é crime”. A publicação é dividida em duas sessões, Peso e Contrapeso, em que a primeira parte é mais incisiva, como um ataque, e, a segunda, se construiu no afeto, como um acalanto. Na entrevista a seguir, a Slamer que representa o Brasil na França, fala mais sobre suas referências e expectativas. Vai lá e mostra o poder da mulher preta, americana e nordestina, Bell.
Afoitas: Qual sua relação com ou a poesia, a dança e a arte?
Bell: Com a dança contemporânea existe uma relação muito forte desde 2013 e com a poesia desde a adolescência, mas só fui tirar da gaveta mesmo em 2017.
Afoitas: E quem são suas inspirações para dançar?
Bell: Pra dançar, eu tenho me inspirado muito no maracatu, em Pina Bausch, que é uma grande referência da dança contemporânea. Esse ano eu conheci o Popping, não me aprofundei por falta de tempo, mas acho muito foda, muito massa. Espero que cresça aqui no estado, junto com o hip hop em geral.
Afoitas: E como tem sido para conciliar com o mestrado em História?
Bell: (Risos) Muito mexida, muito balançada. Eu gosto muito do que eu pesquiso, não tem nada a ver com arte, é história ambiental, minha orientadora é uma mulher incrível. Eu realmente tenho aprendido muito. Eu pesquiso a relação com as pessoas que vivem no manguezal no início do século XX e tem me enriquecido muito, assim, pensar o recife também, sabe? Mas eu tenho algumas críticas à academia, a como ela é extremamente produtivista e tal.
Afoitas: Quais são os planos daqui pra frente?
Bell: Tentar concluir o mestrado e ampliar os slams daqui. Eu tenho certeza que se a gente estimular vai aparecer muita gente como eu, assim, que nem pensava que ia entrar nesse movimento, sabe?
Afoitas: Como estão as expectativas para o Slam internacional?
Bell: Pô, acho que vai ser muita responsabilidade porque vai ser muito mais gente. Não sei exatamente quantas pessoas vão competir, mas eu sei que a única representante da América Latina. Se tem uma coisa que me deixou feliz com a vitória no Slam Nacional foi o retorno das manas pretas que se sentiram representadas por mim. E eu vou levar essa força comigo.
Colaboração: Eduarda Nunes (Coletivo Afronte e Afoita)