Artes Visuais em Pernambuco: um olhar sobre a organização da sociedade civil no último ano

Artistas, produtores, técnicos, grupos e coletivos trabalham com artes visuais, e, na maioria das vezes, de caráter independente e sem patrocínio das instituições municipais de cultura, estão organizados para ocupar as vagas de projetos culturais no Sistema de Incentivo à Cultura – (SIC) 2020/2021, lançado pela Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife. Em relação aos anteriores, os novos editais do SIC destinam um maior investimento ao segmento, segundo o site Cultura PE, assegurando um montante de R$ 420 mil. As inscrições são virtuais e devem ser feitas até o próximo dia 17 de dezembro.

Políticas culturais tem viabilizado no Recife, em todo o estado de Pernambuco e no Brasil, ações culturais de grande interesse público, contudo sabemos que não é tão acessível a todos os fazedores de cultura, sendo restrito a uma classe média intelectualizada ou mesmo às elites. Escrever e aprovar projetos de captação de recursos são privilégios aos quais poucos têm acesso. Há luta para que cada vez mais os editais sejam simplificados para que artistas menos favorecidos tenham acesso aos recursos que são seus por direito, enquanto cidadãos. Editais voltados aos jovens, às periferias, à negritude, às mulheres e LGBT’s à acessibilidade configuram-se como uma real política de redistribuição de renda e acesso aos bens culturais e é importante que a PCR finalmente perceba isso.

Enquanto políticas de equidade não são implementadas como devem ser, a organização popular do segmento de artes visuais procura estabelecer conexões entre proponentes mais experientes e produtores culturais iniciantes, a fim de diversificar o acesso aos recursos. Estão sendo preparados tutoriais, modelos de projetos e mentorias (encontros para orientar escritas de projetos) e será na próxima sexta-feira (4), às 19h, a reunião geral que dará prosseguimento a essa articulação que busca tirar a cadeia produtiva das artes visuais do esquecimento dentro do campo de políticas cultuais.

Temos, aqui na capital pernambucana, alguns equipamentos públicos voltados à promoção, salvaguarda e difusão histórica e artística, como o Museu de Arte Aloísio Magalhães – MAMAM, o Museu da Cidade do Recife – MCR e o Museu Murillo La Greca – MMLC, sob o guarda-chuva da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Secretaria de Cultura e Prefeitura do Recife. Muitas atividades realizadas nos espaços são viabilizadas a partir do trabalho voluntário da classe artística, que muitas vezes precisa cobrar para realizar as ações, tornando assim os espaços cada vez mais excludentes.

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Ocasião em que Bia Desenha, série de animação infantil que explora as artes visuais, compôs a programação do Museu Murillo La Greca, organizado de forma independente. Vídeo: Anny Stone

Ao mesmo tempo, sem um Conselho de Políticas Culturais atuante e de fato representativo, se torna muito difícil acompanhar e fiscalizar as decisões políticas que determinam este cenário. O casario do Pátio de São Pedro, no bairro de São José, há várias gestões municipais vem sendo sucateado, e há relatos recentes de como a pasta de segurança pública, representada no mesmo espaço pela Guarda Municipal do Recife, reprimiu, no início do ano, jovens negros que se encontravam no espaço público desfrutando da Terça Negra, evento histórico organizado pelo Movimento Negro Unificado em Pernambuco. É preciso acompanhar e inibir este tipo de violação da cidadania, seja no acesso à cultura ou aos bens públicos.

 

Anualmente a política cíclica cultural, que movimenta milhões de reais, por exemplo, no Carnaval do Recife, ressalta distinções gritantes ao observarmos a visibilidade e orçamento dos palcos do Bairro do Recife em relação aos pólos dos bairro de São José, Santo Antônio e nas comunidades periféricas. “É um carnaval pobrinho, abandonado, pueril, simplório e minúsculo diante da grandiosidade de alguns blocos e dos principais palcos da cidade”, postou a foliã Ana Paula Portella, socióloga.

Ana Paula Portela. Foto: Reprodução/Facebook

A diferença se torna ainda mais abissal entre linguagens, uma vez que as artes visuais sequer é contemplada nestes ciclos semestrais como o São João e o Natal. Em tempos de pandemia de Covid-19, sem o funcionamento das casas de shows tampouco de galerias ou museus, e com escassos patrocínios às lives dos pequenos produtores e artistas independentes, após nove meses de isolamento que tende a se intensificar com a ascendência da curva de infecções e mortes por coronavírus, a auto organização popular pode atenuar as consequências da atual crise na cultura.

A desvalorização da classe artística afeta não somente os agentes no Recife, mas os brincantes em todo Pernambuco, uma vez que a capital funciona como epicentro da circulação cultural no estado. Dinheiro do povo e sobre o qual o povo ainda decide muito pouco, enquanto população, se não forem ocupadas as representações do Conselho de Políticas Culturais do Recife. Depois de pouco ou nenhuma conversa, e da omissão do próprio Conselho de Políticas Culturais do Recife, que até hoje deixou a desejar no quesito comunicação em face ao compromisso dos representantes conselheiros de nutrir o diálogo com a classe artística como um todo, por meio de representações setoriais, ano passado foi publicado um edital de Cultura para o Recife, mas que tinha verba para as Artes Visuais apenas na modalidade mecenato. O segmento das Artes Visuais, seguindo o tom das lutas das setoriais de Audiovisual e Música, nesta nova edição do SIC ganhou mais vez e voz, a partir da mobilização realizada ao longo do ano em torno dos editais do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura – FUNCULTURA e a própria Lei Aldir Blanc de Pernambuco e municípios.

Um grupo de profissionais da cadeia produtiva das artes visuais chegaram a se reunir presencialmente e um grupo no WhatsApp foi criado no início do ano. Hoje, com as agitadas discussões em torno da Lei Aldir Blanc em dia, fazem parte dele 189 integrantes. Dessa forma, diversos artistas participam ou ao menos podem se inteirar do que está acontecendo de modo paralelo ao sucateamento da educação, da saúde, da segurança pública e das demais pastas da administração pública e que não conta com participação popular porque a mesma não é incentivada. Estamos aprendendo. Vamos às urnas de dois em dois anos, mas depois muitos de nós sequer comparecem às reuniões no legislativo ou em qualquer outra instância de participação popular. Muitos cidadãos e cidadãs ainda não entendem bem papéis dessas instituições, não sentem-se convidados à adentrá-las e participar desses locais, que muitas vezes de “casa do povo” não tem nada.

Sem organização popular, a corda vai continuar arrebentando do lado mais fraco, e muitos agentes sofrerão para comprar o leite de suas crianças ou a passagem de ônibus para participar de atividades formativas. Estarão assim à margem da sua própria produção artística, o que lesa a contribuição destes e destas ao imaginário e historiografia. Ou pior, assim como a escassez de recursos para saneamento básico, a sociedade sofrerá cada vez com o esvaziamento do que temos de mais valioso, a nossa cultura, esta que vem nos sustentando com amor e alegria ao longo destes séculos tenebrosos. Estaremos ausentes dos equipamentos de cultura e suas respectivas atividades, de fora dos orçamentos voltados ao fomento cultural, na contramão do que entendemos por bens verdadeiramente públicos e acessíveis.

O que se passa são milhões de reais sendo investidos em ciclos, a exemplo do Carnaval, ou em clusters de cultura e entretenimento sob a pena da gentrificação de áreas históricas, sob a alegação da economia e do turismo. Numa situação de pandemia global e isolamento social, entendamos que o “turismo pelo turismo” e um planejamento econômico sem atenção às demandas sociais não dá conta de sustentar a vida e a cultura de uma cidade e sua região metropolitana. São os agentes e fazedores de cultura, os brincantes, artistas e produtores culturais que agregam sentido e valores ao cotidiano, seja por meio da pixação, da performance, de um painel de grafite, de um som que nos toca e transforma o dia e o mundo.

Como colocar em prática um projeto de liberdade de expressão, salvaguarda cultural e incentivo a produção artística que contemple a diversidade? Talvez caminhando juntos nesta direção, fazendo presença nos debates públicos, presenciais e virtuais, e não somente como proponentes de editais. Antes é necessário lutar para que toda a política cultural seja mais acessível, para que assim finalmente haja uma real distribuição de recursos, mais incentivo para escolas públicas de arte no Recife e Região Metropolitana e formação artística para crianças e jovens, assim como também para artistas iniciantes. Nada nos será dado de mão beijada, embora os poderes Executivo e Legislativo tenham por dever assegurar políticas para o bem da sociedade, é a maioria da população que fica à margem das decisões e consequentemente dos recursos.

Foto em destaque: Nathê.

Escrito por:

Kalor Pacheco

kalorpacheco@gmail.com

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