A volta da moda 2000s e a imposição da magreza como padrão estético

Texto: Eduarda Santana| Edição: Lenne Ferreira  

A foto acima é das duas irmãs mundialmente conhecidas por inúmeros motivos: estilo de vida, conta bancária, polêmicas, e talvez, assim como eu, você nem deve ter reconhecido quem são. As duas mulheres são Kim e Khloé Kardashian. Loiras, pálidas, e o mais importante: muito magras. De fato, as Kardashians nunca foram gordas e isso não é questionável, porém, olhar para essa foto de hoje e comparar com uma foto de três anos atrás (abaixo), é perceptível o que mudou: Cabelos loiros, cinturas finas, peitos pequenos, pernas e bunda menores.

As Kardashians são atualmente a maior fonte de criação de padrões estéticos. O que elas usam e fazem é copiado por todo o mundo. O maior exemplo disso é a famosa Brazilian But Lift (BBL) , um procedimento , por incrível que pareça, pouco usado pelas brasileiras, e mais popularizado pela Europa e América do Norte. BBL é, basicamente, silicone implantado no glúteo, algo que já conhecemos. Temos várias referências brasileiras que usavam silicone no glúteo  antes da popularização, como Valesca Popozuda, grande figura do Funk dos anos 2000. O fato é que as Kardashians popularizaram a BBL mundialmente e as mulheres que antes se matavam por corpos extremamente esqueléticos, começaram a se matar por um corpo mais robusto.

O padrão de beleza completou seu ciclo de 20 anos e, agora, o que significa que é chegada a  hora de mudar os corpos, cabelos, rostos e estilo de vida.  Nesse momento, o mundo passa por mais uma mudança de ciclo e impõe novamente a estética dos anos 2000, que tem suas partes positivas: a estética ‘millennial’ brinca com cores, texturas, cortes diferentes, mas também leva consigo uma pressão negativa com distúrbios alimentares, fórmulas irreais de emagrecimento, dietas perigosas e uma gordofobia incubada nas grandes mídias. Mas o que as Kardashians têm a ver com a moda dos anos 2000, e como isso afeta a sociedade e a internet? Para começar, é importante que você entenda o que é o ciclo dos 20 anos para conseguir se ater a nova era problemática que está se iniciando. 

Kardashians em 2018

Fazendo uma pesquisa sobre o ciclo dos 20 anos, acessei o site Medium que falava sobre uma palestra escrita por Suzana Cohen, a primeira a usar o termo que explicou de forma inédita e com clareza as gerações da moda, design, tendências nerds e decoração. Suzana fala que, de 20 em 20 anos, o mundo tende a resgatar uma moda do passado e adaptá-las para o presente com uma ‘roupagem’ moderna, atualizada e novas referências. Você deve se lembrar, que, até 2020, estávamos numa era “vintage, rockstar, indie”. Essa tendência iniciou em meados de 2005, quando a internet começou a ser popularizada e os adolescentes tinham a oportunidade de expandir seus interesses. Na época, a tendência ainda descendia dos anos 90, o famoso estilo patricinha, roupas com cintura baixa, cabelos loiros, brancos e claro, extremamente magras.

Uma moda que se origina principalmente do cinema e da televisão. Em 2005 já se viam meia-calça arrastão, estampas “grunges”, cintura alta que foram uma febre total, quebrando todas as inseguranças de quem não queria mostrar a barriga nunca calça cintura baixa. Cabelos de diversas cores, botas pesadas, saltos mais grossos e acessórios chaves. De onde vinha essa tendência? Diretamente dos anos 80, que representou uma fase muito livre na vida dos jovens, então era bem mais fácil ver pessoas, principalmente mulheres com corpos menos padrão, pessoas com nenhum procedimento estético, e mais ‘naturais’. Provavelmente, você já ouviu de alguém mais velho sobre como, antigamente, a TV Brasileira era mais legal e verdadeira, por motivos como esse, que uma década depois isso iria mudar. 

Em 1995 era lançado “As Patricinhas de Beverly Hills”, estrelando Alicia Silverstone, a rainha das patricinhas, que pasme, sofreu gordofobia na época por ser “cheinha” demais. Estamos falando de uma pessoa totalmente padrão, que sofreu pressão estética desde o ínicio da sua carreira, isso perpetuou até os anos 2000 com outras famosas também.

 Quem não lembra dos episódios traumáticos da Britney Spears? A corrida pela magreza era incessante, principalmente meninas gordas e pretas se sentiam perdidas dentro dessa grande onda de padronização. E foi uma corrida pela magreza que fez milhares de jovens crescerem odiando seus corpos, perpetuando a insegurança, distorção de imagem, anorexia, transtornos alimentares, e um ódio próprio infinito.

Não é só a magreza que é vista como ideal de beleza. A moda dita outros padrões também. Em 2015, por exemplo, uma “trend” cresceu pela internet chamada “The Kylie Jenner Lips Challenge” ou “ O desafio dos lábios da Kylie Jenner,” que provavelmente você sabe qual é. Mas vamos por partes: Por que? 

Na época, a Kylie Jenner, irmã de Kim Kardashian, vinha crescendo nos holofotes após as mudanças repentinas no visual, deixando muito claro que havia feito procedimentos estéticos, apesar dela sempre negar. As pessoas ficaram impressionadas com o tamanho dos lábios da influencer, o que fez com que ela divulgasse o que ela “fazia” para os lábios ficarem grandes. Kylie falou que sugava um recipiente pequeno para que a corrente sanguínea parasse na região da boca e fizesse os lábios incharem, e claro, que isso virou uma febre entre os jovens que queriam ter a boca da Kylie Jenner.

 

Os jovens ganharam hematomas, flacidez, manchas na pele, e o grande perigo de não voltar ao normal. Tudo, menos os lábios da Kylie Jenner, até porque ela não usa essa técnica, ela fazia preenchimento, e após uma grande repercussão do assunto e pessoas se machucando, ela admitiu que fez um procedimento estético para aumentar os lábios. O desespero para se encaixar no padrão, a vontade de ser perfeito faz com que as pessoas coloquem a mão no fogo pela beleza inalcançável e isso traz custos, físicos e principalmente psicológicos. E assim permaneceu a última década, pessoas gastando rios de dinheiro para serem iguais a família Kardashian-Jenner: preenchimentos labiais, bronzeamento artificial, apliques capilares, BBLE agora, tudo está sendo removido delas, como um acessório, simplesmente uma agulha que antes adicionava, agora retira tudo, porque uma nova era vem aí, e a família mais influente no mundo da moda cibernética precisa estar preparada.

A volta dos anos 2000 

No TikTok, vídeos com a hashtag “#y2k” (“year 2000” ou “ano 2000”, em português) tem mais de 7 bilhões de visualizações. É a primeira tendência do novo ciclo dos 20 anos, onde a geração Z está completamente imersa, com total influência da internet, que reproduz o assunto incessantemente. Essa tendência vem cheia de novos costumes e recortes de época, causando uma sensação de nostalgia, mas também vem carregada de problemáticas que precisam ser problematizadas. 

A moda dos anos 2000 fez aumentar o número de peças de roupas mais justas e curtas. Na SHEIN, loja de roupas famosa da China, a página inicial é repleta de roupas com elementos dos anos 2000, blusas com lantejoulas, lavagem mais envelhecida, calças justas e de cintura baixa, casacos bomber e croppeds curtos para mostrar ainda mais a barriga. Numa sociedade justa isso não seria um problema caso meninas gordas e de corpos não-padrões quisessem vestir roupas justas e curtas, porém num mundo onde pessoas gordas precisam buscar a magreza dia após dia, tem que tomar shakes diuréticos, fazer dietas e detox para diminuir inchaço, quem mais poderia usar essas peças se não as magras? Por isso é importante lembrar: o problema não é a roupa, é a gordofobia.

Cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil têm transtornos alimentares, sobretudo jovens que tentam se encaixar de alguma forma nos padrões atuais. Sabemos e vivemos isso por muito tempo. Mulheres pretas e gordas buscam uma barriga chapada como se fosse um problema grave não tê-la. Conversando com Aline Sales, do movimento Bonita de Corpo, ela trouxe uma reflexão: 

“Quando fala-se de corporeidades gordas a sociedade relaciona sempre a falta de saúde, o que é um conceito equivocado e gordofóbico, mas será que o exibicionismo virtual padronizado e a compulsão excessiva pela magreza é uma preocupação pela saúde?” 

Ouvimos sempre as mesmas respostas: “não é que eu ache seu corpo feio, mas eu to preocupada com sua saúde”… Por que não existem preocupações quando alguém muda completamente sua fisionomia para ficar igual a Kylie Jenner? A discussão trazida por Aline é válida para todas nós, brancas ou pretas, magras ou gordas, para que possamos nos libertar dessas algemas, o problema não é ser gorda e querer emagrecer, o problema não é ser magra e querer colocar silicone, o problema é o porquê queremos fazer isso, nos modificarmos, para o encaixe.

É preocupante que pessoas com 15 anos já desejem fazer procedimentos estéticos, que os jovens não tenham filtros ou referências conscientes para um conteúdo saudável. É preocupante que os jovens se privem de usar roupas de cintura baixa, porque outras pessoas irão rir. Os dados do TikTok ou Instagram não negam. É nítido o alcance do mesmo conteúdo para pessoas diferentes. Natalia Cangueiro é uma influencer de peso quando o assunto é moda dos anos 2000 e roupas com cintura baixa. Natalia é perfeita, eu particularmente acompanho o conteúdo dela sobretudo pelo seu senso de estilo incrível. Natalia é magra. 

Jessica Blair é uma influencer conhecida no seu nicho por ser uma mulher gorda, que usa roupas de cintura baixa. Jessica não é referência de moda para todo mundo, ela é referência somente para pessoas gordas que querem ter confiança de fazer o mesmo.  

Jessica Blair (à esquerda) e Natalia Cangueiro (à direita)

São duas pessoas que abordam o mesmo conteúdo, mas têm corpos extremamente diferentes, e a problemática que temos que visualizar é a de que: Jessica veste roupas incríveis, tem ótimo senso de estilo, e só é vista como uma pessoa muito gorda que tem “coragem” de usar o que quer, resumida a ser gorda, resumida a ser referência para um nicho. O que mais assusta é saber que Natalia tem mais seguidores que Jéssica, que mora na América do Norte e, consequentemente, deveria ter mais alcance que Natalia.

Jovens tendem a querer ter o corpo magro e se matam para conseguir, e cada vez mais buscam formas de alcançar uma magreza não saudável com procedimentos assustadores. Nos anos 2000 era comum que meninas jovens tivessem transtornos alimentares para ficarem magras, assim como atrizes da TV ou modelos. As coisas estão voltando a ser assim: muitas famosas estão emagrecendo drasticamente, e telespectadores querem fazer igual. Sem nenhum tipo de controle ou conscientização, isso adoece, isso mata, isso traz a onda de transtornos alimentares de volta e a gordofobia também. A nova moda da magreza traz junto a moda de debochar de uma luta que estava ganhando força nos últimos anos

A Gordofobia tem sido cada vez mais sendo debatida e conscientizada, mas, a lógica da Moda do consumo desenfreado, que padroniza corpos, parece desconsiderar a importância de promover inclusão. Algumas conquistas indicam avanços como a  Lei contra a Gordofobia, que foi sancionada no Recife. Criada pela vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), o dispositivo criou o ‘Dia Municipal de Luta contra a Gordofobia’, em 10 de setembro (Dia Mundial de Combate à Gordofobia), além de garantir assentos para estudantes gordas da rede público de ensino. Aline Salles, do Bonita de Corpo, foi uma das maiores apoiadoras da legislação. Outros coletivos como ‘Mundo Plus em Movimento’ e ‘Gorda sim’ também se esforçam para promover o enfrentamento à Gordofobia no Brasil, mas, se depender das grandes marcas e influencers do mundo da moda, o percurso a ser percorrido ainda é muito longo. 

 

Escrito por:

Afoitas Jornalismo

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